sábado, janeiro 27, 2007

Salve Borges!

Olá amigos... pensando bem, nesta última temporada de férias 2006/2007, nunca vi tamanha pobreza de programação em nossas salas de cinema, pelo menos em Fortaleza e Cariri. É desestimulante depois de ver outras maravilhas mundo afora e voltar aqui pra nossa "líquida" cultura de cinema.

Líquida porque não há um background consistente em torno da cinefilia ou produção de audiovisual. O famoso sociólogo Zygmunt Bauman já nos avisa em sua Modernidade Líquida sobre o reinado das relações solúveis e inconsistentes dos últimos anos. Uma transição de películas sem açúcar, com gosto travoso de triviliadade é o que nos oferecem.

Mas claro que continuam acontecendo boas temporadas de cinema em muitas praças. Apenas não consigui assistir a um filme sequer em nossa Capital e nem muito menos em nossas salas de exibição caririanas. Pobreza de programação é alcunha educada . No bom "cearês", é de lascar!

A única ressalva fora brilhar os olhos com uma mostra sobre o diretor Kristof Kieslowsky. Em pleno verão portueño, lá no Centro Cultural Borges, na bela Galerias Pacífico, uma riqueza de programação para sorte de um turista desanimado. Nada menos que o decálogo completo do diretor polonês. Até então, só havia assistido a Não Amarás e Não Matarás. Os únicos títulos que ele adaptou ao cinema, sendo todos os dez filmes originais realizados para a TV polonesa nas últimas décadas do milênio passado.

Kieslowsky soube nos deixar um grande aprendizado em seu cinema. Como ele mesmo assinalava, "a liberdade é um conceito contraditório com a natureza humana". Até mesmo gostaria de ver sua arte na interpretação do Amor Líquido discutido por Bauman.

Mas, acabo de ler os jornais, a agenda cultural. Lamentavelmente, está difícil ir ao cinema hoje. Parece que os blockbusters aumentam nas vésperas do insubstancial Oscar!

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Mito & Realidade [1]




Cá de volta depois de um interlúdio de mil projetos no(do) mundo!

Combinar pesquisa com obrigações-da-vida é um confronto entre sonho e realidade. Não que a leitura e a investigação "científica" (não tolero muito o termo, prefereria pesquisa "humanista") soe ser um sonho somente, mas que os dias cronometrados do "obrigatório" acabam enfadando a possibilidade de viver-de-sonhos. Mas não de qualquer sonho.

Veja só. Assistir a um filme é também sonhar. As imagens nos tocam em outras dimensões da alma. Já foi dito pelo brilhante Arlindo Machado que o cinema é uma vontade inesgotável de se manipular o imaginário. Sonhar nos aproxima de outras realidades. Uma realidade que seja mais preciosa para nós. A preciosidade de qualquer instante é poder experimentar aquilo que imaginamos ver, o que não necessariamente deva ser a realidade material.

Mas não foi assim que surgiu a sétima arte? Uns querendo imitar a realidade e outros querendo recriá-la nos desvãos dos sonhos? Seria um mito a realidade ou o contrário? Que os Frères Lumière ou o maravilhoso George Méliès sejam normalmente interpretados na historiografia do cinema como pioneiros de duas escolas antagônicas, não creio que eles tenham deixado de comungar do desejo imperativo de manipular o universo da imaginação. Se se diz que Méliès é o fantástico, o sonho, e os Lumière a imitação do real, que pobreza insistir nisto. A "Chegada do trem à estação" influenciou tanto a imaginação do espectador dos anos derradeiros dos novecentos quanto "A Viagem à lua" estimulou a criar o mito do domínio espacial. Há uma parte de mito na realidade e há na realidade pedaços de sonhos.

Dizia o poeta Pessoa que "o mito é o nada que é tudo"; ou que o "mito são rasgos da verdade". Depende só de como nos inclinamos a buscar essa "verdade". Muito próxima ou muito distante a verdade nunca parece ser só uma exclusividade de sonhos ou de realidades. O que é mito e o que é real é uma disposição da alma de ver o mundo com os olhos da imaginação. Não é menos previsível que ao se receber a carta de um velho amigo ou de alguém que se ame, a caligrafia seja a mensageira de visões fantásticas e realmente humanas. A alma está ali indelével, impregnada em cada linha, completada nas entrelinhas da intuição. O filme é uma carta manuscrita, que toda vez ao ser lida nos projeta em mito-realidade.