sexta-feira, maio 02, 2008

Era um campo de capins soluçantes


Passeava pelo “L’Amore in Cittá” quando a reencontrei. Era tarde chuvosa por todo o campo, cujos capins soluçavam após pegadas de pássaros saltando vôo. Os amantes novamente frente a frente em “Un Agenzia Matrimoniale”. Uma sala de indecisos e buscadores de sonhos. Imagens de esperança em terra movediça. Imagens só lidas em romances. Um neo-realismo à flor da pele. Fellini não via filmes, porém capturara o sentido de nosso vôo incompleto. Pobres passos perdidos na licantropia de uma fera sem bela; de uma ferida sempre a querer sarar com sais de cogumelos raríssimos. Os capins bordejavam a vida entre nossos dedos se nutrindo de desejos e de temores e de luas.

Sabia que podias me curar da inquietude dos dias, da arte que me escapulia dos sentidos para arremessar em tuas mãos os limites da noite. A lunação, imprevista, interrompia o percurso de mais um dia – daquelas horas congeladas no acostamento da estrada.

Escorregamos em palavras com as mãos perdidas no ar. Rimos ou talvez gritamos desassossegados. Aguardamos o vento balançar mais uma vez os capins ondulantes. E uma casa perdida no ponto de fuga da perspectiva acariciava a distância que se resvalava no destino.

Não soubemos ser feitos de sonhos. Numa realidade esquisita os sonhos são sempre começos absolutos. Nossas mãos, relativas com o ar, outra vez gravitaram como ditirambo nem alegre nem triste, sem corifeu e sem fauno. Olhos percorrendo o prado, assim ficamos até aquela noite cair de vez na cidade.
Impressões sobre "L'Amore in città (1953) (segment 'Agenzia matrimoniale, Un' - de Federico Fellini)"