domingo, outubro 14, 2018



O MESSIANISMO ÀS AVESSAS NAS ELEIÇÕES DE 2018

No Brasil, durante as duas últimas décadas do Segundo Império, e depois no período da “Velha República”, o Nordeste foi cenário de movimentos populares de cunho religioso. O primeiro foi chefiado pelo beato Antonio Conselheiro, o segundo pelo líder religioso e político Padre Cícero. Canudos e Juazeiro do Norte entraram na história como focos de resistência ao estabilishment. Embora Canudos tenha sido dizimada e diminuída do mapa, Juazeiro continua se perpetuando como “Cicerópolis”. Tal denominação repercute a figura sempre pujante do Padre Cícero como sinônimo de resistência à ordem eclesiástica impetrada contra o fenômeno que se confunde com a própria história da cidade: o milagre da hóstia ensanguentada da Beata Maria de Araújo.

Dando um salto no tempo para a atualidade, o Nordeste, mais uma vez se mostrou como campo de resistência político, ou pelo menos se confronta com o cenário de forças fascistas que se avizinham. Enquanto isto, no resto do país, com exceção do Norte, vemos se constituindo um messianismo às avessas. No lado de cá do Nordeste temos as figuras do Padre Cícero e Beata Maria de Araújo que ousaram a ordem estabelecida de seu tempo –, a beata especialmente, mesmo em sua condição de mulher, analfabeta e negra, foi uma mística que não se rendeu integralmente aos poderes das instituições, especialmente à Igreja.

No restante do país, temos a geração de um Messias alucinado por poder, postulando atuar com as forças políticas e econômicas (afinado às forças militares) ao desmantelo da nação. Ele se utiliza do apelo popular de “salvador da pátria”. O novo Messias até se acha como autêntico líder messiânico, mas lhe acrescentaríamos o adjetivo “fascista”. Maria Isaura Queiroz já dizia em 1965 que os movimentos ditos “messiânicos” se caracterizam como movimentos populares que têm como fulcro um indivíduo que se acredita possuidor de atributos sobrenaturais e que profetiza catástrofes das quais estarão salvos apenas os seus seguidores.

Imaginemos que um líder “messiânico” que é homofóbico, machista, beligerante e castrador de direitos sociais queira agora encarnar o papel de “salvador”! No mínimo ele admira a todos os estados totalitários e a todos os líderes fascistas da história. Esse mesmo Messias é defensor da ditadura, ele diz: “O erro foi torturar e não matar”. Este é o Messias que o povo votou para o segundo turno das eleições. Quem vota nele?

Vota nele quem acredita em escola sem partido, quem acha que a perversa concentração de renda em nosso país será equilibrada com a bandeira do moralismo (ou melhor, do falso moralismo). Não sabemos a que destino o Messias da Bíblia vem sendo confundido com o controverso Messias fascista. Afinal, quem vai diminuir o Estado com a venda das estatais não será Saulo, mas sim o Paulo – seu apóstolo mais devotado...

Os atributos “sobrenaturais” do novo Messias manifestam-se para aqueles que creem em sua “missão” para a nação. Para tanto, seu slogan de campanha “Brasil acima de tudo” evoca uma das frases mais repetidas na Alemanha de Hitler:  "Deutschland über alles", que quer dizer "Alemanha acima de tudo". O slogan completo ainda faz evocação “divina”: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. O fato de querer divinizar não o torna mais injurioso do que o de querer aplacar a clara inspiração neonazista deste slogan. Supõe-se um acinte à sanidade mental e aos princípios essenciais da democracia. Afinal, qualquer referência de superioridade torna-se perigosa, e por certo terrivelmente preocupante, quando os matizes neonazistas tocam o discernimento e denotam subestimação à inteligência histórica. Pois se nos livramos do mal do século XX foi porque a sociedade ocidental se afastou de todos os totalitarismos; sabemos que eles não funcionam para o bem comum, seja o nazismo, o fascismo, o cesarismo, qualquer autocracia, teocracia ou ditadura.

Mas o Messias ainda profetiza catástrofes. Ele se diz ser o próprio salvador. Isto nos lembra o filme Matrix, no qual o protagonista Neo descobre que vivemos num mundo de ilusões e de factoides. O Messias cria aos seus seguidores essa falsa imagem de uma realidade brasileira. Sabemos, aliás, de qual realidade ele protege e tem como aliada: o neoliberalismo, o Estado mínimo, o domínio das massas, o tecnicismo, o armamentismo, a militarização, o controle social com direito ao terror e à alienação das massas. Este não é o Brasil que queremos. Este Brasil, nunca mais!

Por tudo dito, voto no PT no segundo turno, mesmo que não tenha sido minha opção no primeiro. Como bem refletiu o artista Pedro Cardoso: “Eu vou votar no PT pra no dia seguinte fazer oposição ao PT (...) acho que o PT não deveria ir ao poder (...) outras forças deveriam ter se organizado; entretanto a única força que se organizou de forma eficiente foi o fascismo de Messias. E contra o fascismo de Messias provavelmente não será possível fazer oposição, porque o fascismo não tolera opositores, o fascismo silencia, cala e mata opositores (...)”. Voto contra o falso Messias, porque devemos garantir um Brasil para o futuro sem ameaças de qualquer forma de preconceitos e abuso de poderes; um país sem censuras, sem mordaças; um povo que seja a superação de seu passado e não a ameaça de seu futuro. A pior alienação é acreditar na utopia denominada Messias. Para ele só resta a distopia de uma Matrix messiânica.

Do meu lugar de fala, digo: Salve Juazeiro, Canudos! O Nordeste tornou-se independente nestas eleições. Que o Brasil não vire mar, nem o mar vire Brasil. Senão o nosso país torna-se-á uma ilha fascista num mar de ilusões e de retrocessos.

-- Glauco Vieira, geógrafo e artista