O
MESSIANISMO ÀS AVESSAS NAS ELEIÇÕES DE 2018
No
Brasil, durante as duas últimas décadas do Segundo Império, e depois no período
da “Velha República”, o Nordeste foi cenário de movimentos populares de cunho
religioso. O primeiro foi chefiado pelo beato Antonio Conselheiro, o segundo
pelo líder religioso e político Padre Cícero. Canudos e Juazeiro do Norte
entraram na história como focos de resistência ao estabilishment. Embora Canudos tenha sido dizimada e diminuída do
mapa, Juazeiro continua se perpetuando como “Cicerópolis”. Tal denominação
repercute a figura sempre pujante do Padre Cícero como sinônimo de resistência
à ordem eclesiástica impetrada contra o fenômeno que se confunde com a própria
história da cidade: o milagre da hóstia ensanguentada da Beata Maria de Araújo.
Dando
um salto no tempo para a atualidade, o Nordeste, mais uma vez se mostrou como
campo de resistência político, ou pelo menos se confronta com o cenário de
forças fascistas que se avizinham. Enquanto isto, no resto do país, com exceção
do Norte, vemos se constituindo um messianismo às avessas. No lado de cá do
Nordeste temos as figuras do Padre Cícero e Beata Maria de Araújo que ousaram a
ordem estabelecida de seu tempo –, a beata especialmente, mesmo em sua condição
de mulher, analfabeta e negra, foi uma mística que não se rendeu integralmente
aos poderes das instituições, especialmente à Igreja.
No
restante do país, temos a geração de um Messias alucinado por poder, postulando
atuar com as forças políticas e econômicas (afinado às forças militares) ao
desmantelo da nação. Ele se utiliza do apelo popular de “salvador da pátria”. O
novo Messias até se acha como autêntico líder messiânico, mas lhe
acrescentaríamos o adjetivo “fascista”. Maria Isaura Queiroz já dizia em 1965
que os movimentos ditos “messiânicos” se caracterizam como movimentos populares
que têm como fulcro um indivíduo que se acredita possuidor de atributos
sobrenaturais e que profetiza catástrofes das quais estarão salvos apenas os seus
seguidores.
Imaginemos
que um líder “messiânico” que é homofóbico, machista, beligerante e castrador
de direitos sociais queira agora encarnar o papel de “salvador”! No mínimo ele
admira a todos os estados totalitários e a todos os líderes fascistas da
história. Esse mesmo Messias é defensor da ditadura, ele diz: “O erro foi
torturar e não matar”. Este é o Messias que o povo votou para o segundo turno
das eleições. Quem vota nele?
Vota
nele quem acredita em escola sem partido, quem acha que a perversa concentração
de renda em nosso país será equilibrada com a bandeira do moralismo (ou melhor,
do falso moralismo). Não sabemos a que destino o Messias da Bíblia vem sendo
confundido com o controverso Messias fascista. Afinal, quem vai diminuir o
Estado com a venda das estatais não será Saulo, mas sim o Paulo – seu apóstolo
mais devotado...
Os
atributos “sobrenaturais” do novo Messias manifestam-se para aqueles que creem
em sua “missão” para a nação. Para tanto, seu slogan de campanha “Brasil acima
de tudo” evoca uma das frases mais repetidas na Alemanha de Hitler: "Deutschland über alles", que quer
dizer "Alemanha acima de tudo". O slogan completo ainda faz
evocação “divina”: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. O fato
de querer divinizar não o torna mais injurioso do que o de querer aplacar a
clara inspiração neonazista deste slogan. Supõe-se um acinte à sanidade mental
e aos princípios essenciais da democracia. Afinal, qualquer referência de
superioridade torna-se perigosa, e por certo terrivelmente preocupante, quando
os matizes neonazistas tocam o discernimento e denotam subestimação à inteligência
histórica. Pois se nos livramos do mal do século XX foi porque a sociedade ocidental
se afastou de todos os totalitarismos; sabemos que eles não funcionam para o
bem comum, seja o nazismo, o fascismo, o cesarismo, qualquer autocracia, teocracia
ou ditadura.
Mas
o Messias ainda profetiza catástrofes. Ele se diz ser o próprio salvador. Isto
nos lembra o filme Matrix, no qual o protagonista Neo descobre que vivemos num mundo de ilusões e de factoides. O
Messias cria aos seus seguidores essa falsa imagem de uma realidade brasileira.
Sabemos, aliás, de qual realidade ele protege e tem como aliada: o
neoliberalismo, o Estado mínimo, o domínio das massas, o tecnicismo, o
armamentismo, a militarização, o controle social com direito ao terror e à alienação
das massas. Este não é o Brasil que queremos. Este Brasil, nunca mais!
Por
tudo dito, voto no PT no segundo turno, mesmo que não tenha sido minha opção no
primeiro. Como bem refletiu o artista Pedro Cardoso: “Eu vou votar no PT pra no
dia seguinte fazer oposição ao PT (...) acho que o PT não deveria ir ao poder
(...) outras forças deveriam ter se organizado; entretanto a única força que se
organizou de forma eficiente foi o fascismo de Messias. E contra o fascismo de
Messias provavelmente não será possível fazer oposição, porque o fascismo não
tolera opositores, o fascismo silencia, cala e mata opositores (...)”. Voto contra
o falso Messias, porque devemos garantir um Brasil para o futuro sem ameaças de
qualquer forma de preconceitos e abuso de poderes; um país sem censuras, sem
mordaças; um povo que seja a superação de seu passado e não a ameaça de seu
futuro. A pior alienação é acreditar na utopia denominada Messias. Para ele só
resta a distopia de uma Matrix messiânica.
Do
meu lugar de fala, digo: Salve Juazeiro, Canudos! O Nordeste tornou-se independente
nestas eleições. Que o Brasil não vire mar, nem o mar vire Brasil. Senão o
nosso país torna-se-á uma ilha fascista num mar de ilusões e de retrocessos.
--
Glauco Vieira, geógrafo e artista