
Sugiro que comecemos com Closer: perto demais (2004, Mike Nichols). Queda número hum de corações: a crueldade. Bondade e humanidade nos pés. Quatro seres que se trocam como num jogo em quatrilho. Nove cartadas, vencendo aquele que faz o maior número de vazas. A maior perversidade está no jogo das palavras. Em Closer os diálogos entre os amantes são aqueles que na vida real são omitidos em pensamentos, por isso ásperos em demasia e incrivelmente realistas. As palavras duras e cruas são instrumentos temerosos da crueldade. A colheita acabou. Ficaram as sementes ou os grãos para uma próxima estação. As ações dos personagens são previsíveis, mas imprevisíveis são as traições maquiavélicas e outros expedientes de fina arte da guerra. Cada um para um lado, vencendo (ou perdendo) o mais perspicaz.
Na seqüência, cabe a visualização de Ela (2013, Spike Jozen). Queda segunda: a solidão. É a tônica desse filme. Meia idade, homem, em quatro paredes. Lembranças boas e más da "ex". Mas predominam as boas, porque as más doem demais, são evitadas. E nessa solidão a fuga para o amor virtual, num futuro próximo, tenta preencher a alma de um carinho estranho, imaginário. O entorpecimento/obscurecimento dos sentidos. Um amor distante e ao mesmo tempo sonhador, mas esquisitamente forte e sincero: um amor com um ser cibernético, com uma inteligência artificial mui compreensiva e terrivelmente ciumenta. Até que ponto a solitude se preenche de imaginário, fazendo o coração embriagar-se ou quebrar-se completamente de torpor? A solidão provoca outras fugas. A imensidão do isolamento numa megalópole é potencializada. E perder-se nas ruas talvez seja uma outra possibilidade de se levantar da queda.
Por fim, a tríade se completa com Azul é a cor mais quente (2013, Abdellatif Kechiche). Originalmente, intitulado A Vida de Adele (La vie d'Adéle), trata da queda terceira: a indiferença. Distanciamento e frieza são sinônimos. A história é conhecida: ao se sentir sozinha na relação cai em traição, que se aproxima do paradoxo buarqueano te perdoo por te trair. A queda começa aqui, mas antes prenunciada por outros distanciamentos/desculpas: falta de afinidades, linguagem estranhada; comunicação monossilábica; precipícios em vistas. Como medir distâncias sem prejuízos; como aparar arestas sem o outro se permitir? A alma quedada busca a esperança em vão de reconquistar o paraíso perdido, o amor que mudou de lado. Como uma sideway - estrada ao lado, mas sem poder tocar-se, oblíquas, como em Paralelas de Belchior: e as paralelas dos pneus n'água das ruas são duas estradas nuas em que foges do que é teu. A apatia e o desânimo resvalam em indiferença ao suplício d'Adèle - ou dos que já sofreram tal queda.
Sei que não estou sendo nada encorajador, amiga/o cinéfila/o. Mas nestas três formas quedadas de relações vale apreciar a boa arte cinematográfica. Utilíssimo para os navegantes do amor aspirarem, apesar de tudo, novas primaveras de amor. Porém advirto que a trilha sonora de cada um dos filmes catalizam sobremaneira a dor. Caso seja muito sensível a essa mistura de música com imagens, evite assistir Closer de primeira, prefira iniciar em ordem inversa, começando com a vida de Adéle. E neste espírito de queda, Roland Barthes está presente nos três discursos fílmicos. Eles dialogam entre si: Como termina um amor? - O quê? Termina? Em suma ninguém - exceto os outros - nunca sabe disso; uma espécie de inocência mascara o fim dessa coisa concebida, afirmada, vivida como se fosse eterna.