terça-feira, maio 25, 2010

Monsieur-maçon et Mademoiselle-maçonne*



Janelas íntimas..


Significativo e imperioso – o amor é uma curva indefinida. Por isso não se sabe o que virá depois da sinuosidade. Meandros não obedecem aos juízos, às razões, nem se compreendem como emoções exatas. Há um discernimento obscuro entre Eros e Filos – a atração e a afinidade. São ondulações da alma. Basta uma janela e um olhar ferindo a paisagem. Além do vidro as cores só podem ser conhecidas na intimidade. Da janela desvelada, surge um quadro expressionista. Árvores e folhagens em turbilhão num campo desabitado.

Ventos esvoaçantes..

Os sentimentos convulsionados que todo amor predica. A partilha de um sonho numa tarde estranha. Dormindo ou acordado, qual arte reticente, deve-se duvidar novamente dos vidros e das dobradiças. Translúcidos ou opacos; ruidosas ou silenciosas; vê-se e ouve-se mesmo assim a melodia e a dissonância. Dois construtores entre pedras e palavras; entre o dito e o emudecido.

Música proibida..

Não poderia falar tão despida pelo arco lhe ferindo as cordas do maçon. Elgar e suas variações-enigma, disse-lhe, todavia, sobre árvores, janelas e ventos mais uma vez; coabitou-lhe os sentidos como invadindo-lhe a casa construída. Ambos pedreiros de uma mesma linguagem: l’amour. Somente a trolha por ela é substituída pela palavras friccionadas do violino. Embora proibido, o amor não se sente assim. Escuta unicamente e cala-se nos movimentos do desejo.

Trilhos ..

Restaria algo além de acatar a proibição, de deixar o trem seguir. A vida de tão conflituosa torna os amantes obedientes à cartilha dos costumes, dos “bons” costumes, ou terríveis, mesmo perversos. Os amantes interrompidos sobre os trilhos, sob a aura de seus sentidos. Segue o tempo no ranger de suas almas apartadas pelo mesmo vento que as uniu. Delicadeza e brutalidade – o tempo sem o vento. O tempo de chegar, o vento de partir – impiedosos.

*Impressões livres sobre Mademoiselle Chambon, filme de Stéphane Brizé (2009) –Em Mademoiselle Chambon, Jean (Vincent Lindon) é uma pessoa do bem: um bom rapaz, um bom filho, um bom pai e um bom marido. E no seu cotidiano tranquilo, entre família e trabalho, ele cruza o caminho de Mademoiselle Chambon (Sandrine Kiberlain), a instrutora de seus filhos. Ele é um homem de poucas palavras, ela vem de um mundo diferente. Eles irão se surpreender pela evidência de seus sentimentos.

3 comentários:

Amanda Teixeira disse...

Sempre instigantes e reveladores, teus filmes vistos e escritos pelo avesso: imagem-roteiro-idéia-poesia. Ler “Monsieur-maçon et Mademoiselle-maçonne” provoca o desejo de ver Mademoiselle Chambon, de compartilhar as tais emoções inexatas, de perceber Eros e Filos se dissolverem entre pedras e palavras que, ao som do violino, erguem a tal construção silenciosa. Vem-me o desejo de assistir o filme e de reescrevê-lo também com meu olhar: vontade de ser, junto a Stéphane Brizé, mais “maçonne” que goteira (assim na arte como na vida). Apenas tenho medo de quedar melancólica, pois ainda gosto de crer que não há trilhos nem tempo ou vento – por mais impiedosos que sejam - que interrompam os amantes: não há meio de apartá-los, pois não é possível tornar-se à parte daquilo de que já se foi parte (clichê, mais... c’est comme moi). Acredito, ainda, que os amantes devem “sempre desobedecer, nunca reverenciar”. Mas darei meu veredicto quando vir o filme. Por ora, achei esta “sinopsesia” (sinopse/poesia), très touchante.

Glauco Vieira disse...

Teu olhar é justo. Porém sórdida é a injusta medida que a humanidade traz aos seres de amor. Os amantes deviam sempre quebrar esses grilhões. Mas não se trata de minha "aceitação", ou sinopsia. As impressões são partilhadas com os personagens, sendo assim acabamos por nos transferirmos neles. Uma transferência não é passiva, poderia me replicar. Há, porém, rupturas ou tensões que é do espaço e tempo de cada desenlace. Entendê-las, jamais. Vivê-las, deve-se sim, como se deve ou como se deveria..

Glauco Vieira disse...

DANIEL [desde São Paulo - SP] nos enviou seu comentário:

Que sensação boa a de ler impressões sobre um filme que pede/suplica mesmo tais corações e olhos e bocas... Também vi o filme (é justo dizer que se vê um filme com olhos?), mas não saberia dizer, assim, calcado no estrado que as palavras possibilitam/obrigam a dizer mais do que seja mesmo verdade, o que processei senão apenas do corpo que me dei conta que tinha (ou que era/fui ali), da pele (à Baudelaire) que fui; não que o filme me concedesse/batizasse um corpo ao fantasma que eu seria, mas como um presente mimético que coincide, estabelece ressonâncias que nos vivificam. Eriçado/extasiado pelas imagens que gritavam sem palavras (beleza rara essa rarefação da palavra no cinema de ontem e de hoje) e que seguiam se decantando, se ajustando, a vida parecia não ser uma questão de tensão, de rupturas nem nada disso, mas apenas de dar-se conta. As fronteiras são às vezes mais tênues quando as vemos de longe. A elaboração, tardia; e a dor (“Ora, tenha a fineza de desinventar”) é presentificada por essa elaboração do pensamento/conhecimento que tem a tarefa de conciliar a vontade do prazer (de estendê-lo, perpetuá-lo, quiçá) com a realidade exterior, como, às vezes, humilhados, fazemos uso da economia psíquica freudiana para sobrevivermos. Isso para que não doa tanto essa coisa de viver, de dar o passo para além das fronteiras movediças das quais tanto precisamos/tememos (talvez exatamente porque dela precisemos), já que a felicidade, essa coisa inumana, mítica, que habita o reino da impossibilidade, pelo menos na esfera freudiana (e na minha também, oh!!!), não nos assombre com sua fantasmagoria fronteiriça dizendo do algo que se paraleliza, zombando de nós o seu brilho ofuscantemente inacessível. Não sinto vontade de tentar me aproximar do filme com olhos de argos, de enxergar nele desnecessárias seqüências como a final, quando o personagem-maçon (por Vicente Lindon) hesita numa encruzilhada literal (na estação, próximo por demais da ação que definiria as coisas ali postas, lançadas). Os silêncios poderiam ter gritado muito mais, meu Deus!!! Contudo, as imagens (...) que se decantaram em mim foram suficientes para indicar a amigos que o vejam antes de falarem com Deus!.
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E eu nem falei do amor...