domingo, novembro 07, 2010

galos e urubus analógicos



No caldeirão de imagens na contemporaneidade, as imagens perdidas no ar nos retornam em novas lentes. Neste périplo de regresso, volta e meia, somos conduzidos a selecionar quais formas e conteúdos resultam em novas cores, em novos gestos e em novos sentidos enquanto nos reconhecemos ser-no-mundo. Parafraseando Heidegger, ser-no-mundo é viver no mundo, cuja vivência é uma vigorosa ligação a ele. O existir testa os limites da vida. Se nos fazemos perguntas, se nos inquietamos, e se nos indagamos porquanto vivemos, é movido pelo enriquecimento do ser. Muitas imagens, na travessia do existir, nos angustiam, nos tomam pelo tédio, ou nos trazem ansiedade ou sensibilidade. Mas, misteriosamente não nos deixam ligados de forma tenue com o mundo. Pelo contrário, nos habilita a rever os sabores, os sons, os aromas, os tatos e as cores, agora com graus e amplitudes perspectivadas pela existência no mundo. Não à toa, o exercício fotográfico redescobre vidas e interlocutores.

Foi assim neste dia ensolarado. Conversar com o Jones. Sujeito possuidor de uma experimentação háptica capaz de por as montanhas da cidade em seu cinema portátil e em seu imaginário de aves e de seres míticos. Lá estava ele no calçadão da praia, sentado no mesmo banco, dando vida a seus pássaros de cartolina. Ele me conta, de trás para frente, casos curiosos, insólitos ou quiméricos sobre os fenícios, e das aparições de discos voadores nas praias; além dos acidentes aéreos, cujas narrativas ele as registra em desenho animado e depois as projeta em uma espécie de luneta mágica. Imagino o desafio de Jones, não só pela sobrevivência, mas pela sua ousadia em existir no mundo na autenticidade de seus galos, urubus e borboletas de papel. As asas desses bichos giram qual cataventos, enquanto desacelero o tempo de exposição da câmera fotográfica, e deixo demorar a entrada de luz na película.

Pensei em tirar uma foto de nosso protagonista, mas continuei ajustando a câmera. Comecei a vê-lo pela borboleta amarela recém-nascida, quando depois a deixava mover as asas pendidas a uma haste de arame. Aquele movimento indeciso da Lepidoptera, ensaiando vôo, fazia deliciar o artista, devolvendo o riso e olhos encantados como uma criança descobrindo o mundo. A câmera seguiu a borboleta e os pássaros. Tantas asas girando assim fez difusa a paisagem atrás.

2 comentários:

Amanda Teixeira disse...

Delicados pássaros de brinquedo transformados em protagonistas na paisagem exuberante(e geralmente estereotipada) do Rio!

Pensei que fossem flores... as asas rivalizam em beleza melancólica com as montanhas imersas na neblina.

Não, na verdade a beleza dos elementos é essa dependência: um não seria encantador sem a presença do outro. Foi um casamento perfeito (mesmo que tenha durado poucos segundos)!

Arcoiris No Horizonte disse...

Sabe as vezes me pergunto: Porque não temos todos a mesma inteligência, digo, porque pelo menos a desenvolvemos igualmente?
É admirável o que escreves.
Fiquei levitando neste espaço.
Meus cumprimentos pelo mágico espaço.
Íris Pereira