sexta-feira, julho 21, 2006

Entre duas Cores


A dança da vida transita entre duas possibilidades, é o que parece para os legítimos amores proibidos. Antes, dizer sobre a mistura de cores e sensibilidades.

Uma moça, tão humilde, na sisudez de uma formação puritana, vê-se impedida de seguir adiante o ofício de misturar cores, ou melhor, de sabê-las operantes na formação de um métier artístico. No ateliê de Vermeer, aprendeu sobre pigmentos e seus veículos, a preparar tintas de mais variadas cromas, assim como educar o olhar para a composição, os jogos de luzes e a representação do espaço. Quais mistérios encerram o ofício do pintor? Ela ousou saber na infelicidade da escolha forçada.

A moça apaixonou-se pela arte, embora soubesse que este amor lhe roubaria a soma dos dias na casa do mestre; lhe deixaria na dúvida de seguir a fortuna entre dois mundos deveras opostos. O seu mundo mais rente, real, do açougueiro-pretendente a lhe oferecer quadros rústicos, inclusive os limites de qualquer existência; ou o seu mundo menos acessível, porém mais desejado, ideal, cujo sonho e sensibilidade pintam-se originais. O primeiro é presente, o outro, onipresente, a lhe infundir o desejo de saber-se nele. Tão grande a dita de dialogar com as cores com o mestre sabedor de todas elas, embora impedido de pintá-la.

Mas ele a pintou como única, com a aura exigente daquela obra-prima. A obra de arte ainda possuía o princípio de aura naqueles idos setecentos. Composição de fina maestria, cujo tema gravitava naquela pérola proibida. Moça com brinco de pérola, é assim conhecida. Título homônimo do filme de Peter Webber, baseado no romance de Tracy Chevalier. A cada seqüência da película somos levados a contemplar um quadro barroco holandês, prodígio assinado pela direção de arte de Christina Schaffer e pela fotografia precisa de Eduardo Serra.

O gênio criador permanece com Jan Vermeer, matriz desta história. Se a rosa-dos-ventos surgida no início e final da projeção lhe levar a outras paisagens e composições, permanece desperta sua compreensão de qual caminho seguir, entre duas cores, a de pigmento de chumbo, eminentemente real, impiedosa, urgente; ou a etérea, de azul prússio com pinceladas de ocre vermelho e amarelo, ideal, sem volta.

Um comentário:

Ramon de Alencar disse...

...
-Atentar ao detalhe da janela. Somente ela, na humildade de uma singela criada, percebeu que manter as janeas limpas não era apenas para que não se acumula-se o pó sobre as vidraças. Era mais uma questão elevada da luz...